O Mundo de Nefertiti: julho 2014

Neste momento estou tão confusa, magoada, triste...tão revoltada, que não sei bem o que dizer...

E por mais que me vá esforçar em palavras, nunca irão traduzir o que sinto neste momento...

Acabo de perder um dos bens mais preciosos da minha vida, se vos disser que falo de um animal e quiserem criticar, estão á vontade...

Eu não consigo ver naquele animal só uma cadela....ela era um Ser Humano com capacidades que poucos seres humanos têm )esta é a minha visão.

Além de doce, da ternura das carícias que fazia sempre que estava connosco. Procurava o nosso colinho mesmo com os seus 50 kg...mais parecia um gatinho do que uma cadela tão grande.

Foi confidente e consoladora de cada um de nós nos momentos difíceis e deu-nos alegrias por demais....

Quando chegávamos das compras (já ela tinha ficado um bocadinho zangada por ficar sozinha), ia directamente rodear os sacos das compras a cheirar e mesmo que precisasse de ir á rua fazer xixi, não ia só pelo gosto de estar connosco.

Adorava "estoirar" as bolinhas de ar do papel próprio para embrulhar encomendas frágeis, nunca percebi como é que ela sabia que aquilo dava para estoirar, e não parava enquanto não estoirasse tudo.

Encontrá-mo-la abandonada na nossa rua com cerca de 2 meses (ainda nem dentes tinha), assustada, muito suja...a minha mãe apaixonou-se por ela mal a viu.

Desde bebé, sem ninguém a ter ensinado, nunca fez as necessidades dentro de casa, nem no quintal, só fora de muros as fazia.

Uma das coisas que mais apreciei no crescimento dela, foi a descoberta do mundo ao seu redor: os "saltões" aos quais chegava apenas a pontinha da pata, sem os magoar, para os ver saltar....

Lembro-me de um passeio no campo em que íamos eu, ela e a minha irmã; ela parou no caminho a olhar para um campo coberto com ervas muito altas. Fiquei intrigada pois não via nada, e foi quando ela largou a correr (ela corria com uma velocidade estonteante) e de repente se levantou um bando de pássaros, os quais ficou maravilhada a olhá-los a voar....

......parecia um de nós a descobrir as pequenas maravilhas deste mundo...

Se por acaso íamos para um rio, ela não ficava á borda da água, metia-se ao lado dos seus doninhos, mesmo que ás vezes não tivesse pé..

Tinha uma CONFIANÇA CEGA em nós, se por acaso tivesse um osso (o que ela mais adorava) na boca e eu fosse tirar-lho, faria-o sem problemas... qualquer problema que ocorresse no corpinho dela, deixava-nos mexer e fazer tudo que fosse necessário, sem um único som, nem protesto. Ela sabia que estávamos a ajudar...

E durante 14 anos deu-nos a lealdade, confiança, carinho e amor puro que nunca nenhum Humano dará alguma vez...

Teve uma vida relativamente saudável, bastante até. Até este ano...em Janeiro operação aos órgãos reprodutores, devido á toma indevida da pílula a vida toda...com 13 anos, portou-se como uma jovem e recuperou maravilhosamente bem, nunca tentou mexer no lugar dos pontos, facto de os deixarmos quase á mostra sem problema algum.

Em Maio acontece pela primeira vez uma dilatação gástrica..prognóstico reservado e o veterinário diz-me que provavelmente não sobrevive...é-lhe feita uma lavagem ao estômago e retirada do ar acumulado dentro seguido de internamento. Mais uma vez como em toda a sua vida em nos mostra (nos diz) que quer continuar ao nosso lado, a ser a nossa companheira. Porta-se bravamente e recupera como se fosse uma jovem.
Nesta fase custa horrores controlar o apetite dela (sujeito a uma rigorosa dieta), que ela sempre teve voraz e incontrolável.

Começa a desenvolver-se em paço aceleredo um tumor na zona mamária (onde ela tinha um micro-quisto há muitos anos), em um mês passou de uma ervilha a uma enorme batata.

Um mês e meio depois, no dia 30 de Junho, começo a notar os mesmos sintomas da primeira vez e vai de novo em urgência com nova dilatação gástrica...o veterinário como a tinha visto bem é ele próprio que quer salvá-la novamente, apesar de no raio-x ver uma massa enorme interior, não conseguindo ver o que é. Ela não está a conseguir digerir os alimentos, tinha no estômago toda a comida do dia ás 23horas. Foram feitos os procedimentos, internamento, e recuperação excelente (a vontade de viver mais uma vez); apesar de estar esfomeada e de nos olhar como que a perguntar porque é que não lhe dávamos comida...

Dieta rigorosa...e quando introduzimos a comida sólida, 4 dias depois, recai....nova dilatação gástrica...

Urgência novamente...mas desta vez a recepção não é igual...e ela fica na sala de espera em completo sofrimento, em uivos de dor. Eu sentada no chão ao pé dela quase que desfaleço também, acho que sei o que se avizinha...

Ficámos sem hipóteses,o mundo desaba (sim..não exagero)...Quando entra a médica coloca a derradeira questão: ela tem um outro problema interno que faz com que não faça as digestões (ela adorava comer); não podemos estar constantemente a entubá-la e fazer lavagem ao estômago. A não ser que vá para Vila Real fazer uma operação que é totalmente desaconselhada visto a idade dela e o seu coraçãozinho...

Acho que não havia espaço de manobra...mas eu não queria por nada dizer: matem-na!...a ela não, a ela que lutou sempre, a vida toda por nós, NÃO....NÂO.....NÃO!!!!

Ela adorava viver....nenhum Ser Humano me mostrou nunca força de querer viver mesmo com dificuldades...No lar onde estou, nenhum idoso diz: eu quero viver!...nem um único...não sabemos lidar com dificuldades...

E ela com muitas dificuldades, quis e queria viver. Queria/pedia sempre a nossa companhia. Não queria estar sozinha, mesmo a dormir. Na aldeia fazia o esforço de subir imensos degraus, só para não passar a noite sozinha no rés do chão.

Eu sei que foi pelo bem dela, estar sempre a acontecer aquilo era simplesmente horroroso....mas para mim foi uma traição que eu lhe fiz, quando ela confiava plenamente em mim...

Não comi o dia todo, estou num sofrimento que não sei descrever, foi parte do meu ser que se foi...
critiquem-me se quiserem (estou-me nas tintas para isso), mas é isto que eu sinto...porque para mim ela foi um Ser Humano literalmente, coisa que muitos de nós não conseguimos ser...

Amo-te mais que tudo Foca, Princesa das tuas doninhas.....

(Porquê escrever? porque não consigo falar e sinceramente também não acho quase ninguém capaz de perceber ou de querer ouvir....a escrita foi sempre minha aliada, desde criança...)